segunda-feira, julho 21

Ninguém pensou que este dia chegaria

Que vida.
Não sei se ela foi feliz, não sei o que ela viveu.
Mas apesar de seus 101 anos, viveu pouco. Aliás, a única pessoa que conheço que morreu aos 101 e deixou todos chocados. Dá vontade de dizer:
-Nossa, morreu assim, tão nova, sem mais nem menos...

Não penou por dias, não fez ninguém sofrer por vê-la sempre entrevada numa cama, vegetando, dependente. Acho que as cerimônias fúnebres demoraram mais que o intervalo entre passar mal e partir desta prá melhor.

Na verdade, quando criança, não gostava muito dela. Não gostava de ninguém que fosse mais engraçado que eu, achava injusto uma pessoa ir na frente da câmera, falar meia dúzia de palavrões e arrancar risadas só por causa do seu jeito.

A simpatia começou quando fui morar em frente ao seu prédio, que transformei sua imagem numa supertição.

Quando avistava da minha janela aquela pessoa tão idosa , dependendo apenas de uma mera bengalinha, andando, brigando, xingando (e acreditem, ao vivo era mais engraçado) dava uma vontade de ficar velha cada vez maior.

Vê-la era sinal de vida
de alegria
de riso


Achei que ela fosse tão, mas tão velha, que já tivesse passado da idade de morrer...Não me preocupava com isso.

Ontem, as pessoas me ligavam para saber como eu estava, como se ela fosse minha amiga.
Foi engraçado, mas estranho, porque me senti assim, de luto por alguém que nunca trocou duas palavras comigo.

Agora minha janela ficou tão vazia que desvalorizou o apartamento.


Eu gostava da Dercy.